CAMPANHA PERMANENTE
As comunidades precisam investir mais em
planejamento, para evitar desastres ambientais
As comunidades precisam investir mais em
planejamento, para evitar desastres ambientais
Estratégia e logística para enfrentamento de riscos ambientais
Osvaldo Ferreira Valente
(Publicado em EcoDebate em 29/01/2010)
Estão se tornando cada vez mais comuns os desastres provocados por fenômenos naturais no Brasil, principalmente nos meios urbanos. E quando acontece um de maior proporção, há sempre uma avalanche de entrevistas com especialistas e também a publicação de inúmeros artigos sugerindo medidas salvadoras. Eu mesmo já escrevi vários deles e li dezenas de outros. Quais os resultados?
Infelizmente, apesar de as sugestões das entrevistas e dos artigos serem de perfeição tecnológica e as autoridades jurarem que irão tomar providências, acaba tudo no esquecimento ou em iniciativas isoladas. Recursos são anunciados no afogadilho dos desastres e até estranhamente, pois sem estarem baseados em planejamentos estratégicos ou mesmo em logísticas operacionais.
Depois de algum tempo, descobre-se que foi insignificante a execução orçamentária dos valores prometidos, ou seja, mais um engodo para que os administradores pudessem se livrar de incômodos momentâneos. O que fazer, então? Ou os problemas são insolúveis?
Começo a acreditar que mesmo não sendo especialistas em procedimentos administrativos, nós, ligados às tecnologias de conservação, precisamos cobrar o desenvolvimento de planejamentos estratégicos para as áreas ambientais e as logísticas necessárias para fazer com que os nossos conhecimentos cheguem à prática. Sem isso, continuaremos apenas massageando os nossos próprios egos em entrevistas e em artigos de pesquisa e de divulgação, confinados na academia ou nos meios mais cultos da população. Os artigos científicos, que apontam soluções, continuarão a ser consultados somente pelos pares da academia e escritos em linguagem que dificulta o seu entendimento pelos comuns mortais. Ou seja, a pesquisa para consumo dos próprios pesquisadores.
O planejamento estratégico, com o objetivo principal de alcançar soluções, deverá ver os problemas ambientais de um núcleo urbano, por exemplo, como resultante da interação de diversos comportamentos desencadeados pela ocupação do solo. Não vai adiantar nada se tais problemas não forem tratados em conjunto e continuarem as receitas isoladas.
Vem um primeiro especialista e prega a necessidade de aumentar a capacidade de infiltração do espaço urbano. Mas onde? Nos quintais das casas? Se eles estiverem em encostas com solos rasos, as infiltrações concentradas poderão provocar deslizamentos. Vem um segundo especialista e receita a dragagem de córregos, ribeirões e rios. Mas e as erosões? Serão combatidas? Se não forem, os resultados das dragagens serão efêmeros. Vem ainda um terceiro e aconselha a ampliação das redes de drenagem, construção de piscinões etc. Mas se forem medidas únicas, as estruturas passarão a ser cada vez mais gigantes para acompanharem as acelerações das degradações provocadas pelas interferências contínuas no solo urbano. Vem mais um especialista e diz que a solução está na liberação dos leitos tubulados ou canalizados e a implantação de faixas arborizadas ao logo de seus entornos.
Mas será isso suficiente para dar conta da drenagem dos enormes volumes de enxurradas geradas nas cabeceiras dos bairros e conduzidas, rapidamente, para as partes mais baixas por ruas e avenidas funcionando como canais de circulação?
Se os problemas são causados pelas interações de vários comportamentos inadequados, por que, então, não promover a interação das opiniões dos diversos especialistas (geólogos, hidrologistas, meteorologistas, engenheiros de construção e de saneamento, arquitetos e urbanistas, administradores e outros mais)?
Reunidos eles poderiam criar estratégias de aglutinar e otimizar as tecnologias apontadas na busca da minimização dos danos causados pelos alagamentos, inundações e deslizamentos. Com a ajuda dos especialistas em administração, seria estabelecida a logística operacional para colocar, na prática, as medidas programadas. Estratégia e logística são as ferramentas que estão faltando para que os transtornos comecem a ser eficientemente combatidos.
Sei que a multidisciplinaridade é trabalhosa e não é muito do feitio das instituições que administram nossos espaços urbanos, pois elas estão sempre sujeitas às influências de grupos econômicos que forçam decisões corporativas e de interesses exclusivamente comerciais. Daí poderá surgir a grande oportunidade de as organizações sociais (Ongs, oscips, fundações etc) mostrarem as razões de suas existências e que poderiam ser desenvolvidas de duas maneiras, conforme detalhes a seguir:
1) As organizações sociais, principalmente os movimentos ambientalistas, teriam que deixar de lado as pregações genéricas, tipo: “somos contra o desmatamento da Amazônia”; “somos contra as modificações do Código Florestal”; ou, “precisamos de políticas públicas para os problemas tais e quais”; e assim por diante. Passarão a propor soluções objetivas que deverão ser levadas, por exemplo, ao conhecimento das populações atingidas por alagamentos e deslizamentos.
Não precisarão, neste caso, de ser soluções inteiramente planejadas, mas com detalhamentos suficientes para serem compreendidas. Assim preparadas, elas seriam levadas ao conhecimento dos atingidos através das associações de bairros, das escolas, dos clubes, das igrejas e de quaisquer outras formas de organização.
Com cartilhas e vídeos explicativos dos fenômenos naturais envolvidos, dos princípios básicos das tecnologias de conservação possíveis de ser utilizadas e das viabilidades técnicas e econômicas de implantação. Tudo com bastante profissionalismo e racionalidade, em oficinas e reuniões de lideranças, pois a emotividade, nestes casos, produz efeitos apenas momentâneos.
Cumprido o “processo educativo”, as mesmas entidades serão estimuladas e orientadas a exercer pressão sobre as administrações pertinentes, cobrando planos estratégicos e logísticos que contemplem as soluções objetivas desejadas. Podendo mostrar conhecimento do assunto, terão muito mais poder de persuasão e não aceitarão promessas absurdas e/ou paliativas.
2) As organizações sociais, pelo menos as mais estruturadas e de melhores condições financeiras, e há um bom número delas espalhadas pelo Brasil, poderiam avançar um passo importante e partir para a produção de planos estratégicos e logísticos, prontos e acabados. Tais planos seriam, depois, submetidos ao “processo educativo” discutido no item anterior.
A diferença, aqui, é que estaremos vencendo as dificuldades que as administrações públicas têm de formar equipes multidisciplinares, pelos atrelamentos já apontados. Ganheremos tempo e maior poder de pressão, pois não estaremos só cobrando soluções, mas apresentando os caminhos a serem seguidos por nossos empregados administradores de plantão.
Li, recentemente, um artigo publicado no Portal Mercado Ético, de autoria de Rudolf Hohn, onde ele defende que “preservação do meio ambiente = atitude das pessoas + desenvolvimento tecnológico”.
Concordo plenamente com o conceito e tentei apenas mostrar que as organizações sociais poderão colocar a fórmula em prática. Muitos poderão dizer que estou propondo um método burocrático, mas proponho, na verdade, apenas uma organização de trabalho para evitar ações isoladas, personalistas e insuficientes.
Também para tirar os estudos das gavetas acadêmicas e colocá-los em prática, para beneficio de quem os financiou. Há poucos anos, dois pesquisadores dos Estados Unidos publicaram um trabalho falando da morte do ambientalismo naquele país, exatamente pela falta de visão prática de tais movimentos. Não quero ver muitas organizações brasileiras correndo esse risco.
Finalmente, uma coisa que me incomoda é certo alheamento de tais organizações quando provocadas para discussões objetivas. Gostaria de ver minhas sugestões criticadas, outras opções apresentadas, ou seja, gostaria de ver tais organizações explicitando suas estratégias e logísticas operacionais. Se as tiverem, é claro.
Infelizmente, apesar de as sugestões das entrevistas e dos artigos serem de perfeição tecnológica e as autoridades jurarem que irão tomar providências, acaba tudo no esquecimento ou em iniciativas isoladas. Recursos são anunciados no afogadilho dos desastres e até estranhamente, pois sem estarem baseados em planejamentos estratégicos ou mesmo em logísticas operacionais.
Depois de algum tempo, descobre-se que foi insignificante a execução orçamentária dos valores prometidos, ou seja, mais um engodo para que os administradores pudessem se livrar de incômodos momentâneos. O que fazer, então? Ou os problemas são insolúveis?
Começo a acreditar que mesmo não sendo especialistas em procedimentos administrativos, nós, ligados às tecnologias de conservação, precisamos cobrar o desenvolvimento de planejamentos estratégicos para as áreas ambientais e as logísticas necessárias para fazer com que os nossos conhecimentos cheguem à prática. Sem isso, continuaremos apenas massageando os nossos próprios egos em entrevistas e em artigos de pesquisa e de divulgação, confinados na academia ou nos meios mais cultos da população. Os artigos científicos, que apontam soluções, continuarão a ser consultados somente pelos pares da academia e escritos em linguagem que dificulta o seu entendimento pelos comuns mortais. Ou seja, a pesquisa para consumo dos próprios pesquisadores.
O planejamento estratégico, com o objetivo principal de alcançar soluções, deverá ver os problemas ambientais de um núcleo urbano, por exemplo, como resultante da interação de diversos comportamentos desencadeados pela ocupação do solo. Não vai adiantar nada se tais problemas não forem tratados em conjunto e continuarem as receitas isoladas.
Vem um primeiro especialista e prega a necessidade de aumentar a capacidade de infiltração do espaço urbano. Mas onde? Nos quintais das casas? Se eles estiverem em encostas com solos rasos, as infiltrações concentradas poderão provocar deslizamentos. Vem um segundo especialista e receita a dragagem de córregos, ribeirões e rios. Mas e as erosões? Serão combatidas? Se não forem, os resultados das dragagens serão efêmeros. Vem ainda um terceiro e aconselha a ampliação das redes de drenagem, construção de piscinões etc. Mas se forem medidas únicas, as estruturas passarão a ser cada vez mais gigantes para acompanharem as acelerações das degradações provocadas pelas interferências contínuas no solo urbano. Vem mais um especialista e diz que a solução está na liberação dos leitos tubulados ou canalizados e a implantação de faixas arborizadas ao logo de seus entornos.
Mas será isso suficiente para dar conta da drenagem dos enormes volumes de enxurradas geradas nas cabeceiras dos bairros e conduzidas, rapidamente, para as partes mais baixas por ruas e avenidas funcionando como canais de circulação?
Se os problemas são causados pelas interações de vários comportamentos inadequados, por que, então, não promover a interação das opiniões dos diversos especialistas (geólogos, hidrologistas, meteorologistas, engenheiros de construção e de saneamento, arquitetos e urbanistas, administradores e outros mais)?
Reunidos eles poderiam criar estratégias de aglutinar e otimizar as tecnologias apontadas na busca da minimização dos danos causados pelos alagamentos, inundações e deslizamentos. Com a ajuda dos especialistas em administração, seria estabelecida a logística operacional para colocar, na prática, as medidas programadas. Estratégia e logística são as ferramentas que estão faltando para que os transtornos comecem a ser eficientemente combatidos.
Sei que a multidisciplinaridade é trabalhosa e não é muito do feitio das instituições que administram nossos espaços urbanos, pois elas estão sempre sujeitas às influências de grupos econômicos que forçam decisões corporativas e de interesses exclusivamente comerciais. Daí poderá surgir a grande oportunidade de as organizações sociais (Ongs, oscips, fundações etc) mostrarem as razões de suas existências e que poderiam ser desenvolvidas de duas maneiras, conforme detalhes a seguir:
1) As organizações sociais, principalmente os movimentos ambientalistas, teriam que deixar de lado as pregações genéricas, tipo: “somos contra o desmatamento da Amazônia”; “somos contra as modificações do Código Florestal”; ou, “precisamos de políticas públicas para os problemas tais e quais”; e assim por diante. Passarão a propor soluções objetivas que deverão ser levadas, por exemplo, ao conhecimento das populações atingidas por alagamentos e deslizamentos.
Não precisarão, neste caso, de ser soluções inteiramente planejadas, mas com detalhamentos suficientes para serem compreendidas. Assim preparadas, elas seriam levadas ao conhecimento dos atingidos através das associações de bairros, das escolas, dos clubes, das igrejas e de quaisquer outras formas de organização.
Com cartilhas e vídeos explicativos dos fenômenos naturais envolvidos, dos princípios básicos das tecnologias de conservação possíveis de ser utilizadas e das viabilidades técnicas e econômicas de implantação. Tudo com bastante profissionalismo e racionalidade, em oficinas e reuniões de lideranças, pois a emotividade, nestes casos, produz efeitos apenas momentâneos.
Cumprido o “processo educativo”, as mesmas entidades serão estimuladas e orientadas a exercer pressão sobre as administrações pertinentes, cobrando planos estratégicos e logísticos que contemplem as soluções objetivas desejadas. Podendo mostrar conhecimento do assunto, terão muito mais poder de persuasão e não aceitarão promessas absurdas e/ou paliativas.
2) As organizações sociais, pelo menos as mais estruturadas e de melhores condições financeiras, e há um bom número delas espalhadas pelo Brasil, poderiam avançar um passo importante e partir para a produção de planos estratégicos e logísticos, prontos e acabados. Tais planos seriam, depois, submetidos ao “processo educativo” discutido no item anterior.
A diferença, aqui, é que estaremos vencendo as dificuldades que as administrações públicas têm de formar equipes multidisciplinares, pelos atrelamentos já apontados. Ganheremos tempo e maior poder de pressão, pois não estaremos só cobrando soluções, mas apresentando os caminhos a serem seguidos por nossos empregados administradores de plantão.
Li, recentemente, um artigo publicado no Portal Mercado Ético, de autoria de Rudolf Hohn, onde ele defende que “preservação do meio ambiente = atitude das pessoas + desenvolvimento tecnológico”.
Concordo plenamente com o conceito e tentei apenas mostrar que as organizações sociais poderão colocar a fórmula em prática. Muitos poderão dizer que estou propondo um método burocrático, mas proponho, na verdade, apenas uma organização de trabalho para evitar ações isoladas, personalistas e insuficientes.
Também para tirar os estudos das gavetas acadêmicas e colocá-los em prática, para beneficio de quem os financiou. Há poucos anos, dois pesquisadores dos Estados Unidos publicaram um trabalho falando da morte do ambientalismo naquele país, exatamente pela falta de visão prática de tais movimentos. Não quero ver muitas organizações brasileiras correndo esse risco.
Finalmente, uma coisa que me incomoda é certo alheamento de tais organizações quando provocadas para discussões objetivas. Gostaria de ver minhas sugestões criticadas, outras opções apresentadas, ou seja, gostaria de ver tais organizações explicitando suas estratégias e logísticas operacionais. Se as tiverem, é claro.
Osvaldo Ferreira Valente é professor titular aposentado da Universidade Federal de Viçosa e especialista em hidrologia e manejo de pequenas bacias hidrográficas; valente.osvaldo@gmail.com
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