MANGUEZAL
A palavra “mangue” tem dois significados básicos. Este nome é utilizado para espécies de árvores e arbustos que crescem em terrenos salinos periodicamente inundados pela maré, o que representa um conjunto de 12 famílias e mais de 50 espécies de plantas em todo o mundo. O mesmo termo é utilizado para designar o ambiente costeiro onde estas plantas ocorrem e o conjunto de seres vivos que nele vive (o ecossistema). Neste curso preferimos chamar o ecossistema de “manguezal” e as árvores que dele fazem parte de “mangue”.
Manguezais são definidos como ecossistemas de transição entre o meio marinho e o meio terrestre que se estabelecem em áreas sob ação das marés. Por serem dominados por espécies de plantas que atingem o porte de arbustos ou árvores, os manguezais são por vezes chamados de florestas de beira-mar, enquanto em algumas regiões do país são chamados de mangais.
A beleza exótica dos manguezais pode ser apreciada nas regiões tropicais e temperadas de todo o mundo, com maior desenvolvimento nas regiões tropicais. No litoral brasileiro encontramos os manguezais desde o Amapá até a região de Laguna, em Santa Catarina. O único manguezal oceânico do Atlântico Sul localiza-se na ilha de Fernando de Noronha.
De maneira geral, todas as espécies de mangues apresentam adaptações para sobreviver em terrenos inundados e de solos lamacentos com pouco oxigênio. Todos também apresentam adaptações para sobreviver às águas salgadas.
Em algumas partes do manguezal que só são atingidas pelas marés mais altas do ano podem se formar áreas onde os mangues não se estabelecem, deixando o solo exposto, ou apresentam crescimento prejudicado, formando um conjunto de árvores anãs esparsas. Estas áreas, chamadas apicuns, apresentam solos com alta salinidade devido à evaporação da água trazida pelas marés e ao acúmulo de sal resultante. Estes locais desnudos também apresentam alta temperatura do solo exposto e na lâmina de água remanescente, o que também prejudica o crescimento dos mangues. Por outro lado, estas condições favorecem algumas algas, que formam um tapete sobre o lodo. Os apicuns são muito mais evidentes nos manguezais ao norte do Rio de Janeiro e ocupam uma área muito pequena na Baixada Santista.
A influência das marés não é um requisito fisiológico para os mangues, mas tem uma influência ecológica importante. Primeiro, a alternância de ciclos diários de seca e inundação, juntamente com a salinidade, exclui a maior parte das plantas que poderiam competir com os mangues. Segundo, as correntes das marés possibilitam o transporte dos propágulos dos mangues, servindo de meio de dispersão. Terceiro, a inundação pela maré traz águas limpas e oxigenadas e retira a matéria orgânica em decomposição e compostos tóxicos. Finalmente, as marés diárias evitam que o acúmulo de sal no solo atinja níveis prejudiciais às plantas, como ocorre nos apicuns.
Os mangues crescem melhor em ambientes onde sedimentos estão sendo depositados e há pouca ação de ondas e correntezas. A ação de ondas impede a fixação de propágulos, destrói as raízes superficiais dos mangues e carrega os sedimentos mais finos, derrubando as árvores, como visto em áreas com muito trafego marítimo. Os manguezais mais produtivos crescem em áreas mais abrigadas, como os deltas de rios e lagunas costeiras, em solos lamacentos e finos, com muita matéria orgânica. No entanto, os mangues também podem crescer sobre areia. Como ocorre no Caribe e nas ilhas do Pacifico, e mesmo sobre cascalho e pedras, como nas Ilhas Galápagos, a 1.000 km do litoral do Equador.
Além de bonitos, os manguezais são úteis. As raízes dos mangues servem como uma rede que ajuda a consolidar os sedimentos sobre os quais as árvores crescem, impedindo que sejam carregados pelas marés. Os troncos também funcionam como “quebra ondas”, fazendo com que a água que entra ou sai do manguezal perca energia e parte do material em suspensão seja depositado no fundo. Dessa maneira os mangues ajudam a estabilizar terrenos que de outra forma sofreriam a estabilizar terrenos que de outra forma sofreriam erosão pelo mar ou por rios, formando uma cortina protetora entre o ecossistema marinho e a terra firme. A presença de alimento abundante, águas calmas e muitos abrigos faz com que os manguezais sejam o local de alimentação de um grande número de espécies marinhas, muitas das quais os utilizam como áreas de crescimento, onde larvas e indivíduos jovens ficam até a maturidade sexual, quando retornam ao oceano. Muitas dessas espécies têm valor comercial, e entre as espécies que utilizam o manguezal durante parte de seu ciclo de vida estão camarões, pitus, robalos, tainhas, carapebas, sardinhas e bagres. Não é exagero dizer que o manguezal sustenta boa parte da atividade pesqueira do Brasil, especialmente a pesca artesanal.
A FLORA
Nos manguezais as plantas podem ser consumidas diretamente por um animal, como ocorre quando um caranguejo come uma folha de mangue ou um mexilhão filtra algas microscópicas flutuando na água. Ou a via pode ser indireta.
Raízes mortas enterradas no sedimento ou folhas que apodrecem na superfície são o alimento de decompositores como fungos e bactérias, que transformam esses materiais na proteína de seus corpos, antes de serem consumidos por outros organismos chamados “detritívoros”. Dessa forma, as plantas do manguezal sustentam uma cadeia alimentar baseada em detritos orgânicos.
Na região de São Vicente – Praia Grande três espécies de árvores são os componentes-chave dos manguezais. A árvore-símbolo dos manguezais é o mangue-vermelho Rhizophora mangle, bastante conhecido pelas suas “raízes-escora”, ou rizóforos, que permitem sua fixação em solos lamacentos e instáveis. Os rizóforos também funcionam como “respiradouros”, levando ar para as raízes enterradas nos sedimentos pobres em oxigênio.
Árvores de mangue-vermelho atingem alturas de 15 m, mas em geral encontramos exemplares entre 5 e 10 m. As folhas do mangue-vermelho são verde-brilhantes, mais pálidas na face inferior; sua casca é cinzenta e fina e a madeira é vermelha (daí o nome popular). Essa árvore apresenta mecanismos de “ultrafiltração” nas suas raízes, que permitem a absorção de água enquanto exclui-se o sal, uma adaptação ao ambiente de estuário. A concentração de sal na seiva das raízes do mangue-vermelho pode ser de 1/70 daquela da água do mar absorvida pela planta. Apesar desse mecanismo eficiente, o mangue-vermelho não consegue crescer bem em áreas onde o solo é muito salgado.
O mangue-vermelho é uma planta que cuida bem de sua prole. Em vez de produzir simples sementes como outras plantas, o mangue-vermelho gera propágulos, já que o embrião se desenvolve continuamente ainda preso na árvore-mãe. Os propágulos se desenvolvem lentamente, levando de 8 a 13 meses para amadurecerem. Durante esse período crescem adquirindo sua típica forma de lança. Ao amadurecerem, os propágulos se desprendem da árvore-mãe, podendo se fixar imediatamente no substrato. Caso contrário poderão ser levados pela água até outro local onde possam enraizar e crescer. Em São Vicente - Praia Grande, a maior parte dos propágulos se desprende no verão, entre janeiro e março. Devido ao seu tamanho (até 30 cm de comprimento), os propágulos do mangue-vermelho podem se fixar em áreas mais expostas às correntes de água. Dessa forma geralmente encontramos essa espécie crescendo nas margens dos rios e outras áreas mais expostas. Essas áreas, frequentemente inundadas, também apresentam as menores salinidades, o que favorece a espécie.
Embora o mangue-vermelho seja a espécie-símbolo do manguezal, a árvore mais abundante em São Vicente – Praia Grande é o mangue-preto Avicennia schaueriana. É uma árvore de casca escura e áspera que pode atingir 20 m em seu ambiente favorito. As raízes dessa espécie também têm adaptações para respirarem no lodo. As raízes enterradas horizontalmente produzem pequenos tubos de respiração que atingem a superfície, e fornecem oxigênio para o sistema radicular. Esses tubos são chamados pneumatóforos e podem cobrir o solo de uma área dominada por mangue-preto.
As folhas do mangue-preto são verdes por cima mas esbranquiçadas por baixo, devido à presença de pequenas escamas. Essas folhas frequentemente estão cobertas por uma crosta de sal devido à ação de glândulas excretoras de sal na superfície. Essas glândulas permitem que a seiva do mangue-preto tenha 1/7 da concentração de sal da água do mar. A espécie é mais resistente do que o mangue-vermelho a concentrações de sal mais elevadas, como as que ocorrem em áreas mais afastadas das margens dos rios.
O mangue-preto também produz propágulos, mas estes têm uma forma arredondada e têm entre 5 e 10 cm de comprimento. O pequeno tamanho e o fato de serem facilmente transportados pela água fazem com que esses propágulos possam ser transportados para o interior do manguezal durante as marés altas, mas só é possível seu enraizamento em áreas onde as correntes de água são muito fracas. Esses fatos, mais a sua tolerância a solos salgados, fazem com que o mangue-preto seja encontrado mais afastado das margens dos rios e canais, em áreas que só são atingidas pelas marés mais altas que ficam muito tempo expostas.
Como as demais espécies de mangue, o mangue-branco produz propágulos. Esses são muito pequenos (1 a 1,5 cm de comprimento), e só podem se estabelecer em áreas protegidas de correntezas. Em geral encontramos o mangue-branco crescendo sobre áreas de deposição de sedimento muito fino, como nas curvas dos rios e praias lodosas onde a correnteza acumula material, ou no interior das florestas de mangue, longe das margens.
Além das três espécies de árvores, outras plantas também são importantes nos manguezais. Nas áreas de menos salinidade ocorre um arbusto de folhas arredondadas e grandes flores amarelas, a guanxuma ou algodoeiro-da-praia Hibicus pernambucensis. Essa espécie não ultrapassa 3 m de altura e forma um emaranhado de galhos próximo ao solo, chegando ao ponto de formar uma “parede” ao longo das margens de alguns rios. Suas flores, semelhantes às dos hibiscos de jardim, atraem beija-flores e outras aves das matas próximas ao manguezal.
Em áreas onde o sedimento esta se acumulando, como praias lodosas e bancos de lodo, crescem varias espécies de plantas herbáceas. Onde a salinidade é baixa as margens dos rios e os espaços sob as árvores de mangue onde o sol alcança podem estar cobertos por um lírio de flores brancas Crinum attenuatum.
No mesmo ambiente em que cresce a grama-doce encontramos uma série de ervas e juncos que podem formar agrupamentos importantes. Mas a planta mais importante é a samambaia-do-brejo Acrostichum aureum, que cresce em grandes e densos tufos que podem ultrapassar 2 m de altura. Em alguns locais, como na transição entre o manguezal e a terra firme e algumas áreas perturbadas, essa samambaia pode formar uma cobertura densa e contínua sobre o solo.
Embora frequentemente não sejam notadas, um grupo de plantas tem um papel muito importante nos manguezais. São as algas e cianobactérias, que variam desde formas visíveis apenas sob o microscópio até aquelas que formam tufos que podem ser apanhados a mão.
Na superfície dos bancos de lodo, principalmente quando vários dias de marés baixas, céu claro e sol forte se sucedem, surge um tapete esverdeado, que pode ser fibroso como musgo. Esse tapete é formado por várias espécies de cianobactérias (antes chamadas algas azuis) filamentosas dos gêneros Microleus, Spirulina e Planktothrix, algas verdes (principalmente Boodleopsis pusilla) e diatomáceas (várias espécies de Navicula, Nitzschia e Gomphonema). Enquanto as algas verdes e cianobactérias têm forma filamentosa, as diatomáceas têm envoltórios feitos de sílica (o mesmo material do vidro), com formas muito variadas e de rara beleza.
As algas, tanto as microscópicas como as macroalgas, podem formar uma camada de poucos centímetros sobre os bancos de lodo, e servem de alimento para uma série de animais que ali vivem, como caranguejos, camarões, moluscos e vermes poliquetos. Quando a maré sobe é possível ver cardumes de peixes como tainhas, marimbas, caratingas e paratis comendo sobre os bancos de lodo, e essas algas parecem ser seu principal alimento.
Outras algas, pertencentes a grupos diferentes (algas vermelhas e verdes), crescem sobre as raízes e troncos dos mangues e outras superfícies sólidas quando esses são submersos diariamente. Entre as espécies mais abundantes estão as do gênero Bostrychia, que formam uma cobertura filamentosa marrom-avermelhada sobre os troncos e raízes. Juntamente com animais como moluscos e briozoários que se incrustam nessas mesmas superfícies, as algas formam um micro-habitat muito complexo, que é explorado por outros animais como caranguejos, siris e peixes. É comum observar peixes, como baiacus, pastando algas das raízes das árvores de mangue durante a maré alta.
A FAUNA
Uma grande diversidade de animais ocorre nos manguezais. Um levantamento, já desatualizado, da fauna dos manguezais do Brasil registrou a existência de 59 espécies de crustáceos (caranguejos, camarões etc.), 33 de moluscos (mariscos, caramujos etc.), 185 de peixes e 86 de aves.
5.2.1. INVERTEBRADOS
Os invertebrados do manguezal constituem o próximo elo da cadeia alimentar depois das plantas. São eles que irão consumir diretamente partes de árvores, capins e algas, ou irão se alimentar dos detritos orgânicos colonizados por fungos e bactérias que aumentaram seu conteúdo nutritivo.
O primeiro desses grupos é o dos vermes poliquetos (o nome significa “muitas cerdas”), que têm esse nome por se parecerem com minhocas peludas ou com penas. Esses vermes apresentam uma grande diversidade de formas de vida; alguns se alimentam de algas, outros de detritos, enquanto outros são predadores. Entre os vermes poliquetos dos bancos de lodo, alguns são oportunistas característicos de sedimentos com muita matéria orgânica e baixa salinidade.
Um dos animais mais conspícuos nos bancos de lodo e margens espraiadas dos rios é um crustáceo de aparência alienígena chamado Kalliapseudes shubarti. Esse pequeno animal alimenta-se de detritos orgânicos e microalgas existentes nos sedimentos, e vive em tubos construídos no lodo, alguns com até 15 cm de profundidade, que em algumas épocas do ano podem cobrir os bancos de lodo e os manguezais anões, áreas de maior concentração de matéria orgânica.
Esses pseudocamarões, que como bons pais guardam os ovos fecundados em uma bolsa especial, chamada marsúpio, às vezes surgem na superfície em grande número após dias quentes e de sol forte quando a maré ficou muito baixa, aparentemente devido ao estresse do calor e do aumento de salinidade.
Também nos bancos de lodo encontramos moluscos que vivem enterrados no sedimento. A concha navalha ou unha de velho Tagelus plebeius é muito abundante na região, e vive em tubos dos quais se projetam seus sifões, um dos quais suga o sedimento da superfície, rico em matéria orgânica e algas microscópicas, como um aspirador de pó. Outra espécie que vive no mesmo habitat é Lucina pectinata, um berbigão que parece ter uma relação simbiótica com bactérias que utilizam acido sulfídrico como fonte de energia, cultivando-as em seu interior.
Em locais de substrato mais arenoso, como no fundo da baía de São Vicente e na foz dos rios Diana e Piaçabuçu, ocorrem grandes populações de berbigões Anomalocardia brasiliana. Estes também são filtradores que se alimentam das diatomáceas e detritos que ocorrem sobre o sedimento, vivendo enterrados. Estes moluscos sustentam várias famílias que vivem de seu extrativismo. São os “vôngoles” consumidos em muitos restaurantes.
Outros moluscos conspícuos são componentes da comunidade que cresce sobre as raízes dos mangues. Entre estes podemos enumerar a ostra Crassostrea rizophorae, os mexilhões Mytella falcata e M. guyanensis (que quando crescem entre as raízes dos mangues são chamados “bico de ouro”, mas também podem formar bancos sobre áreas de substrato mais duro, como no Largo de São Vicente e na foz dos rios Cubatão e Diana) e caramujos como Littorina angulifera e Melampus coffeus. Enquanto ostras e mexilhões filtram a água, retendo algas e animais microscópicos suspensos na água (o plâncton), além de partículas orgânicas, os caramujos comem algas que crescem sobre os troncos, restos vegetais ou mesmo outros animais. O caramujo Odostomia laevigata, por exemplo, é considerado um ectoparasita de bancos de ostras e mexilhões. Um outro caramujo, Littoridina australis, forma populações enormes nos fundos lodosos, alimentando-se de detritos orgânicos.
Os troncos dos mangues são perfurados por animais que se alimentam de madeira. Os mais importantes são os gusanos do gênero Teredo. Apesar da aparência vermiforme, são moluscos como as ostras e caracóis, e constroem longas galerias no interior da madeira que são revestidas com um tubo calcáreo. Os troncos também são consumidos por crustáceo semelhante à barata de praia, chamado Limnoria Lignorum. Esse animal come madeira, podendo digeri-lo graças a microorganismos que vivem em seu tubo digestivo, uma estratégia similar a outros animais que se alimentam de celulose, como cupins, vacas e bichos-preguiça. As galerias cavadas por esses comedores de madeira são posteriormente usadas como abrigo por outros animais, como caranguejos e pequenos peixes.
Nos rios, canais e poças vivem camarões de diversos grupos. A maioria, como os camarões verdadeiros (Penaeus e Xiphopenaeus spp.) e os pitus (Macrobrachium spp), utilizam os manguezais como áreas de crescimento. Assim, encontramos quase que apenas indivíduos jovens, e é essa função de creche e área de engorda que torna o mangue tão importante para o setor pesqueiro.
Após a maturação sexual, os camarões adultos vão para o mar, e os pitus sobem os rios. A maioria dos camarões se alimenta de vermes poliquetos e outros invertebrados menores, detritos orgânicos e algas, mas não recusarão carniça caso encontrem um peixe ou outro animal morto.
Os caranguejos e siris são os invertebrados mais visíveis no manguezal e não é exagero dizer que são os donos do lugar. A maioria dos caranguejos tem uma dieta variada, sendo oportunista. Algumas espécies comem as folhas que caem dos mangues, podendo consumir de 30% a 80% da produção destas. Assim, as folhas de mangue são transformadas em proteína que pode ser consumida por outros animais.
Os siris são representados no manguezal de São Vicente – Praia Grande principalmente pelo siri-azul Callinectes danae, uma espécie muito abundante que procura alimento nos bancos de lodo e florestas de mangue durante a maré alta. É um predador típico das áreas estuarinas que se alimenta de uma grande diversidade de criaturas menores, incluindo caranguejos pequenos, além de animais mortos. Os siris são uma das espécies mais capturadas por pescadores artesanais na região.
Nos bancos de lodo e no solo das florestas de mangue vivem os caranguejos do gênero Uca, extremamente abundantes e reconhecíveis pelas pinças hipertrofiadas dos machos. Os machos usam estas armas nos confrontos em disputa por uma fêmea ou toca, e para se exibir para as fêmeas, acenando-as em movimentos rítmicos específicos de cada espécie. As fêmeas carregam os ovos junto de si até o momento de eclosão, quando liberam as larvas na água (geralmente numa maré cheia), onde estas crescerão alimentando-se de algas planctônicas até se transformarem em pequenos caranguejos.
Os Uca alimentam-se da matéria orgânica do sedimento (principalmente bactérias e algas microscópicas), sendo vistos raspando o solo freneticamente com suas quelas em forma de colher. Podem ser encontrados nos bancos de lodo, no interior das florestas de mangue e nas áreas de transição, rio acima, onde a água já é doce.
O caranguejo mais bonito do mangue, graças à sua cor avermelhada, é o Aratu Goniopsis cruentata, que vive em tocas escavadas nos pontos onde os rios do manguezal formam barrancos, e também entre raízes e troncos. Essas tocas podem ser compartilhadas com outros caranguejos, como Sesarma rectum, Armases rubripes e Eurythium limosum. É uma espécie grande. Às vezes é encontrada escalando árvores. Fêmeas de aratus são encontradas com ovos entre agosto e maio, mas com maior frequência no pico das chuvas, em fevereiro-março. Alimenta-se de propágulos de mangue, detritos vegetais e caranguejos menores como Aratus pisonni (do qual seria o maior inimigo), podendo escalar troncos em busca de alimento.
O verdadeiro caranguejo arborícola é o pequeno Aratus pisonii, que se desloca com rapidez pelos troncos e galhos dos mangues, e também em pilares e outras construções à beira da água. Sua cor imita a casca dos mangues, servindo de proteção. Fêmeas com ovos são encontradas entre fevereiro e maio, e os jovens podem habilitar galerias no lodo antes de passarem à vida arbórea.
Também escalando árvores, mas também observado sobre o lodo e os capinzais, o pequeno Metasesarma rubripes talvez seja a espécie mais espalhada no manguezal, já que ocorre em toda parte. Em alguns locais é considerado um competidor de Chasmagnathus granulata, por compartilhar o mesmo ambiente, construindo tocas na faixa de preamar, e usando o mesmo alimento. É um generalista que se alimenta de algas e plantas, e já foi observado escalando moitas de capim para comer o pólen das inflorescências, e em folhas de samambaia comendo os esporos. Também já foi encontrado compartilhando as tocas de outras espécies. Na transição manguezal-restinga pode ser encontrado habitando bromélias, alimentando-se das flores destas. Fêmeas com ovos são encontradas no verão (janeiro a março), coincidindo com o pico de chuvas.
O segundo maior caranguejo do manguezal é o Uçá Ucides cordatus, que é a espécie explorada para o consumo humano na região. Suas tocas pontilham todo o solo das florestas de mangues, onde se alimentam das folhas e propágulos caídos. É um testemunho de sua eficiência o fato de que poucas folhas duram o suficiente no solo do manguezal para se acumularem.
Como os Uca, o macho tem uma quela hipertrofiada, o que facilita sua identificação. Em novembro-dezembro, geralmente durante as chuvas e coincidindo com a lua cheia, esse caranguejo realiza suas “corridas”, quando todos os adultos saem de suas tocas para se reproduzir.
O maior dos caranguejos do manguezal é o Guaiamum Cardisoma guanhumi. A quela maior dos machos dessa espécie chega a 32 cm. Esse caranguejo é característico dos locais de transição entre mangue e Mata Atlântica, encontrados rio acima, onde constrói tocas muito profundas. É uma espécie considerada ameaçada de extinção em São Paulo.
As tocas feitas pelos caranguejos no solo do manguezal são o criadouro das larvas dos mosquitos-pólvora Culicoides spp. As larvas são generalistas que se alimentam de outros animais, plantas e detritos encontrados no sedimento, enquanto os adultos voam em busca de sangue. Para todos os que trabalham nos manguezais, especialmente no período de lua cheia, as picadas dos minúsculos pólvoras são o grande tormento.
PEIXES
Os manguezais de São Vicente, Praia Grande e áreas próximas abrigam grande biodiversidade. Não há informações adequadas sobre a ictiofauna, porém estima-se que cerca de 100 espécies de peixes sejam encontradas nessa região, que apresenta grande diversidade de espécies em relação a outras partes do litoral de São Paulo. O tamanho dos peixes encontrados em manguezais e estuários varia dos 6 centrímetros e poucos gramas do guaru Poecilia vivípara (família Poeciliidae), até os 2,5 metros e 450 quilogramas do mero Epinephelus itajara (Serranidae). Meros de até 150 kg ainda são ocasionalmente capturados no Mar Pequeno e no Canal de Bertioga, mas a espécie é rara e considerada em risco de extinção, devido principalmente à caça submarina e à pesca comercial (atualmente proibidas pela legislação).
Diversas espécies de grande importância comercial usam os manguezais da região durante sua fase juvenil, incluindo tainhas e paratis (Mugilidae), badejos (Serranidae) e robalos (Centropomidae), estes últimos passando a maior parte da sua vida nos estuários.
As tainhas e os paratis incluem alguns dos peixes mais importantes na pesca comercial da região. Pelo menos três espécies ocorrem na área, parati Mugil curema, parati-olho-de-fogo M. gaimardianus e tainha M. platanus. Podem penetrar nos rios, atingindo regiões de água doce. O parati atinge 45 cm, ao passo que a tainha chega a medir 1m e pesar 6 kg. São peixes que vivem em cardumes, frequentemente vistos descansando na superfície. Nestas ocasiões são apanhadas pela águia-pescadora Pandion haliaetus e outras aves aquáticas, como martins-pescadores (Alcedinidae) e trinta-réis (Sternidae). Os paratis e as tainhas alimentam-se principalmente de algas microscópicas (diatomáceas), detrito orgânico e microfauna associada ao sedimento. Na maré alta, os paratis pastam sobre os bancos de lodo e areia, alimentando-se de algas microscópicas e escavando o sedimento com sua mandíbula em forma de pá, deixando rastros característicos.
No inverno, as tainhas formam grandes cardumes em águas costeiras, sendo mais pescadas justamente no período reprodutivo. As chamadas ovas de tainha são iguaria apreciada. As larvas são levadas pelas correntes e nadam até os estuários, onde se desenvolvem. Durante o verão, cardumes de pequenos paratis e tainhas são comuns nas praias da região, onde podem ser vistos em meio à arrebentação. Durante o dia, os paratis e as tainhas são capturados por aves aquáticas como garças (Ardeidae), biguás Phalacrocorax brasilianus e águias-pescadoras, formando um importante elo entre esses predadores e os detritos orgânicos e algas produzidos nos bancos de lodo e florestas de mangue. À noite, os paratis são capturados por garças noturnas e morcegos-pescadores Noctilio leporinus. Diversas espécies de peixes carnívoros, incluindo os robalos, apresam os paratis e tainhas jovens. Quando isoladas da proteção do cardume, as pequenas tainhas procuram objetos flutuantes, como folhas e gravetos.
A caratinga Eugerres brasilianus e a carapeba Diapterus rhombeus (Gerreidae) são peixes de estuários, localmente comuns e que formam pequenos cardumes. Atingem cerca de 35-40 cm. A carapeba sobe os rios e riachos, podendo viver em água doce. Ambas as espécies alimentam-se principalmente de pequenos invertebrados que apanham sobre o substrato ou desenterram com seu focinho, apanhando porções do sedimento com a boca que se protai formando um tubo. Quando se alimentam em águas rasas, são capturadas por aves aquáticas como a águia-pescadora e as garças.
Os peixes comercialmente mais importantes na região são os robalos Centropomus undecimalis e C. mexicanus (Centropomidae). A primeira espécie atinge 1,5 m e 25 kg, ao passo que a segunda é bem menor (até 40 cm). Os robalos são muito apreciados na pesca esportiva e sustentam um importante comércio baseado nas náuticas localizadas no Largo de São Vicente, no rio Casqueiro e no Mar Pequeno. Predadores de pequenos peixes, camarões e caranguejos, os robalos ocorrem em águas costeiras e C. mexicanus sobre os rios muito acima dos manguezais. Reproduzem-se em estuários, onde alguns indivíduos parecem passar toda a sua vida.
Os bagres (Ariidae) constituem outro grupo de importância comercial que ocorre em estuários e manguezais. Diversas espécies são conhecidas pelo fato do macho incubar os ovos dentro da sua boca (originando o nome comum de bagre-papai). Os bagres apresentam espinhos fortes e serrilhados nas suas nadadeiras peitorais e dorsal, uma formidável defesa contra predadores. Quando eretos, esses espinhos aumentam o diâmetro do peixe, tornando-o mais difícil de capturar e engolir. Além disso os espinhos apresentam glândulas de peçonha (veneno), daí o nome de bagre-urutu dado a uma das espécies que ocorrem no manguezal (Genidens genidens). A dor causada pelo espinho dos bagres é bem conhecida por pescadores que se ferem quando retiram esses peixes das redes ou do anzol. Para evitar ferimentos, os pescadores costumam quebrar os espinhos dos bagres com alicate, porém as vezes acabam ferindo-se justamente nos espinhos descartados sem cuidado nos arredores da rede ou no barco. Os bagres alimentam-se de pequenos invertebrados do fundo, como crustáceos, poliquetos e moluscos, além de aproveitar animais mortos (hábitos necrófagos).
Diversas espécies de pescadas, as corvinas, os papa-terra e os cangoás (Sciaenidae) têm grande importância comercial e também ocorrem em manguezais e estuários, algumas delas usando esse ambiente somente na sua fase juvenil. Outros grupos de importância comercial incluem os caranhas e vermelhos (Lutjanidae), os xaréus (Carangidae) e os badejos (Serranidae), que usam os manguezais principalmente na sua fase juvenil. Entretanto, o mero é um serranídeo encontrado em estuários também quando adulto.
Os manguezais e os estuários da região abrigam diversas outras espécies de peixes localmente abundantes, que são usadas como alimento pelas aves. As manjubas Anchoviella lepidentostole e Anchoa clupeoides (Engraulidae) e as sardinhas-cascudas Harengula clupeola (Clupeidae) podem formar grandes cardumes que se alimentam próximo à superfície, sendo nestas ocasiões capturadas por aves como gaivotas e trinta-réis (Laridae), talha-mares (Rynchopidae) e atobás (Sulidae). As manjubas e as sardinhas nadam com sua boca aberta através das nuvens do rico plâncton nos estuários, filtrando seu alimento com uma espécie de “peneira” formada pelos rastros branquiais. Apresados pelas aves, estes peixes formam mais um dos complexos elos ecológicos próprios das ricas regiões de manguezais.
Os linguados são peixes com corpo achatado, comuns em estuários e manguezais. Durante a metamorfose da larva, um dos olhos migra para o lado oposto da cabeça e, assim, os linguados apresentam um dos seus lados com dois olhos e pigmentado e o outro, sem olhos e geralmente sem pigmentação. Os linguados ficam deitados sobre um dos flancos, o pigmentado para cima, também nadando nessa posição. Um dos linguados mais comuns nos manguezais da região é Citharichthys spilopterus (Paralichthyidae), cujo lado pigmentado é o esquerdo. Atinge até 20 cm de comprimento. Tem a capacidade de mudar a sua tonalidade, podendo ficar mais claro ou escuro de acordo com a cor do substrato onde se encontra (camuflagem). Além disso, fica parcialmente enterrado, o que dificulta muito a sua localização, tanto pelos predadores como pelas suas presas. Os linguados alimentam-se de pequenos crustáceos, poliquetas e peixes. Outro linguado comum nos manguezais da região é o Tricnetes paulistanus, porém o lado pigmentado dele é o direito.
Além dos linguados, um outro grupo de peixes habitantes de estuários e manguezais apresenta formato incomum. São os cavalos-marinhos e peixes-corneta (Syngnathidae), muito apreciados pelos aquaristas e conhecidos pelos seus notáveis hábitos reprodutivos. O macho do cavalo-marinho (gênero Hippocampus) apresenta uma bolsa incubadora, chamada marsúpio, onde a fêmea deposita seus óvulos. Após fecundados pelo esperma do macho, os ovos desenvolvem-se dentro do marsúpio, sendo os jovens expulsos por meio de contrações musculares. Assim, numa curiosa inversão de funções, é o macho que dá à luz.
No peixe-corneta Microphis cf. lineatus os ovos ficam aderidos numa espécie de calha existente no ventre do macho. O peixe-corneta é muito resistente a variações de salinidade, podendo ser encontrado em água doce dos riachos que desembocam nos manguezais e estuários. Permanece sobre ramos submersos, caçando crustáceos e insetos minúsculos, sugados através do focinho tubular. Atinge cerca de 15 cm. Pela sua capacidade de viver em água doce e pelo seu formato incomum, é comercializado como peixe ornamental. No Brasil e em outras regiões, a coleta e a comercialização de cavalos-marinhos e peixes-corneta, seja para fins ornamentais ou medicina popular, atingem proporções alarmantes e colocam esses notáveis peixes em risco de extinção.
Peixes de pequeno porte são muito importantes na alimentação das aves aquáticas. Além dos indivíduos jovens das espécies de médio porte e grande, há numerosas espécies com até 10 cm de comprimento, que vivem nas áreas de manguezais e estuários. Uma das mais abundantes é o guaru Poecilia vivipara (Poeciliidae), encontrado nas margens e águas rasas por todo o manguezal, incluindo os riachos que aí desembocam. Alimentam-se de organismos minúsculos, incluindo algas, insetos e microcrustáceos. A fêmea adulta atinge cerca de 6 cm e o macho, pouco mais que a metade disso. Ao contrário da maioria dos outros peixes ósseos, os guarus apresentam fecundação interna e o desenvolvimento dos ovos ocorre no ventre da fêmea (daí o nome “barrigudinho”, também aplicado a peixes desta família). Os filhotes nascem completamente desenvolvidos e dispersam-se pelos trechos rasos com vegetação marginal ou de fundo. Os guarus e outros peixes pequenos, além de camarões, com freqüência ficam agrupados em poças deixadas pela maré nos bancos de lodo, margens de rios e interior das florestas de mangue. Nessa situação, tornam-se presas fáceis para aves aquáticas, incluindo garças (Ardeidae) e maçaricos (Charadriidae) que procuram alimento nestes locais.
Os baiacus (Tetraodontidae) também ocorrem em manguezais e estuários. As espécies mais comuns na região são Sphoeroides testudineus e S. greeleyi, este último ocorrendo também junto a costões rochosos. A primeira espécie atinge até 30 cm, ao passo que a segunda é menor (até 15 cm). Os baiacus apresentam a pele e o estômago muito dilatáveis, além da ausência de costelas, características que lhes permitem inflar muito o corpo. Quando perturbados por um suposto predador, rapidamente engolem água ou ar e ficam inflados, semelhantes a pequenas bolas, Assim, aumentam de tamanho e mudam de forma, duas características que podem atrapalhar o predador, que assim desiste desta presa potencial. Além disso, estes baiacus são venenosos, com toxina potente o suficiente para matar um ser humano. Poucos são os predadores de baiacus, que passeiam à vontade mesmo em áreas abertas, nas quais ficam muito evidentes. Estes peixes apresentam os dentes soldados em placas, removendo moluscos, crustáceos e outros organismos, agarrados às pedras ou ramos submersos. São exímios ladrões de iscas, como a maioria dos pescadores sabe.
Em manguezais também ocorrem peixes parecidos com enguias, que as pessoas confundem com cobras. A espécie mais comum é o muriongo Myrophis punctatus (Ophichthidae), que passa o dia enterrada e inicia sua atividade ao crepúsculo. À noite, desloca-se com movimentos ondulatórios, serpentiformes, enfiando o focinho em areia e o lodo à procura de pequenos invertebrados. Atinge 35 cm de comprimento. Os pescadores temem a cobra-do-mar Ophichthus gomesii, que atinge 80 cm e habita os estuários. Diurna, permanece boa parte do tempo enterrada no substrato, apenas a cabeça para fora. Quando fisgada, retorce o corpo fazendo nós e enrolando a linha, além de soltar muito muco, o que dificulta enormemente a sua retirada do anzol. Além disso, pode morder quando manuseada. Alimenta-se de peixes, crustáceos, moluscos e poliquetas.
Tubarões e raias (Chondrichthyes ou peixes cartilaginosos) não ocorrem nos manguezais da região, embora algumas espécies de porte médio possam ser encontradas nos estuários maiores.
MAMÍFEROS
Poucos mamíferos são encontrados nos manguezais de São Vicente e Praia Grande. A espécie mais característica é o mão-pelada Procyon cancrivorus (o nome significa “quase cachorro que come caranguejos”), um carnívoro oportunista encontrado em áreas úmidas de todo o país. É um animal de porte razoável, podendo chegar a quase um metro de comprimento e 8 kg de peso. Vive solitário ou em grupos formados por uma fêmea e seus filhotes, alimentando-se principalmente de caranguejos. Também come ovos e pode se alimentar de frutos que encontre. Na região não é difícil encontrar suas pegadas nas margens dos rios ou no interior das florestas de mangue, mas é raro observá-lo devido a seus hábitos noturnos.
Outro carnívoro é a lontra Lutra longicaudis que, embora prefira o curso superior dos rios, onde há água doce e barrancos em que pode cavar suas tocas, também pode ser encontrada nos manguezais. Um macho adulto pode atingir mais de 1,3 m de comprimento e quase 15 kg, mas as fêmeas são bem menores. As lontras vivem solitárias ou em pequenos grupos familiares, alimentando-se de peixes, caranguejos e pitus. Geralmente é crepuscular ou noturna. É uma espécie considerada ameaçada de extinção pela caça e destruição de seu habitat, além da poluição dos rios. Devido à sua posição na cadeia alimentar, como o predador que se alimenta de todas as outras espécies, as lontras podem acumular concentrações de contaminantes que são perigosas para a saúde.
Capivaras Hydrochaerus hydrochaeris podem ser encontradas na região do alto rio Cubatão e também em brejos como o Dique do Furadinho e no Terminal Portuário da Ultrafértil. É o maior roedor do mundo, atingindo mais de 1,2 m e 35-65kg. É exclusivamente herbívora, pastando vários tipos de plantas durante a noite. Tem pés palmados e é uma nadadora habilidosa, podendo ficar alguns minutos submersa.
O comportamento noturno e o fato das capivaras serem quase sempre solitárias nas áreas próximas aos manguezais são resultado da constante ação de caçadores. Em outros locais mais protegidos, como na área da Refinaria Presidente Bernardes, é comum ver capivaras pastando em grupos de mais de 10 indivíduos durante a manhã e nas horas mais frescas da tarde.
Outro grande roedor herbívoro que compartilha o mesmo habitat da capivara é o ratão-do-banhado Myocastor coypus. Consta que a espécie foi introduzida na região em meados do século passado no rastro de uma moda mundial de criadouros que a mantinham para explorar sua pele, muito valorizada na época, mas nunca foi encontrada prova disso. Os ratões podem atingir de 60 cm a quase 1 m de comprimento, e 3 a 9 kg de peso. São exclusivamente herbívoros e geralmente noturnos, mas podem ser ativos durante a manhã e no final da tarde quando não são perseguidos. Onde há barrancos os ratões constroem buracos, mas em áreas planas juntam vegetação flutuante até formar uma jangada em meio aos brejos. Em Santos-Cubatão ocorrem nos brejos de água doce e alto rio Cubatão, mas um já foi encontrado no manguezal do rio Cascalho.
Outros mamíferos ocorrem em capoeiras e capinzais próximos e podem visitar as margens do manguezal procurando alimento. São as raposas Cerdocyon thous, furões Galictis cuja, gambás Didelphis aurita, tatus Dasypus novencinctus, preás Galea Fulgida e grandes ratazanas domésticas Rattus norvegicus.
Até a década de 1950 era comum ver botos no Estuário de Santos, e consta que alguns acompanhavam os navios que entravam no porto. Hoje esta visão é bastante rara e apenas ocasionalmente se observam alguns exemplares isolados ou em pares no canal de Bertioga e área do rio Diana e rio Jurubatuba. Ocasionalmente indivíduos isolados ou pequenos grupos familiares são vistos nas baías de Santos e São Vicente.
RÉPTEIS
Uma espécie de réptil capaz de viver nos manguezais de forma permanente é o jacaré-de-papo-amarelo Caiman latirostris. É um jacaré de pequeno porte, em geral não passando de 2 m de comprimento. Os jacarés atingem a maturidade sexual com cerca de 10 anos de idade, quando os machos atingem pouco mais de 1m, e as fêmeas ao redor de 90 cm. A fêmea constrói um ninho com vegetação morta nas margens do manguezal e em brejos. Esses ninhos formam grandes montes, nos quais de 30 a 60 ovos são incubados pelo calor das plantas em decomposição, sendo guardados pelos pais. Quando nascem, sempre de maneira coordenada, os filhotes chamam a mãe, que abre o ninho e os leva para a água, às vezes auxiliada pelo pai. A mãe pode passar vários meses cuidando dos filhotes, numa demonstração de que os répteis apresentam cuidado à prole.
Originalmente, os jacarés eram os grandes predadores do manguezal, ocupando o topo da cadeia alimentar. Hoje a espécie é rara e praticamente só encontramos animais jovens, já que os caçadores não permitem que os animais possam crescer.
Outros répteis são encontrados ocasionalmente nos manguezais. Tartarugas-marinhas Chelonia mydas são freqüentes nas baías de São Vicente e Santos, pastando algas que crescem nos costões rochosos, bancos de areia e fundos lodosos do estuário. O lagarto teiú Tupinambis merianae é um oportunista de grande porte que entra no manguezal em busca de alimento.
Duas serpentes não venenosas que se alimentam de peixes e anfíbios, as cobras-d’água Liophis miliaris e Helicops carinicaudus (Colubridae), são encontradas nos brejos de água doce da região (inclusive em áreas urbanas e bananais) e podem ocorrer nos manguezais de maneira esporádica.
Nas ilhas de restinga é possível encontrar jararacuçus Bothrops jararacussu (Viperidae), que se alimentam de gambás, preás e lagartos.
Serpentes arborícolas, como a ágil caninana Spilotes pullatus, já foram encontradas bem no interior do manguezal, na vegetação ou investigando tocas de caranguejo no solo, mas sua presença parece ser ocasional.
ANFÍBIOS
As águas salobras dos manguezais impedem que sapos, rãs e pererecas se estabeleçam ali de forma permanente, já que a pele permeável desses animais os torna vulneráveis à desidratação caso entrem em contato com a água salgada. Nos brejos de água doce, vizinhos aos manguezais, podemos encontrar diversos desses anfíbios, como as rãs Leptodactylus cf. ocellatus, sapos Bufo crucifer e pererecas Osteocephalus langsdorfii, Hyla arildae e Hyla minuta.
AVES
Cerca de 210 espécies de aves já foram confirmadas para os manguezais de São Vicente, Praia Grande, Santos e Cubatão, suas ilhas de restinga e brejos de água doce adjacentes.
A garça-azul, o guará-vermelho e o colhereiro são espécies que se alimentam principalmente de caranguejos, camarões e outros crustáceos (carcinófagas); o biguá, outras espécies de garças e o talha-mar são piscívoras, ou seja, se alimentam de peixes.
Além das aves aquáticas que freqüentam o manguezal, algumas espécies são generalistas capazes de utilizar uma grande diversidade de ambientes, incluindo áreas abertas. Entre estes encontramos aves urbanas, como os urubus, pardais e bem-te-vis, além de espécies que caçam insetos em vôo, como siriris e andorinhas. Entre os generalistas encontramos também os sabiás, que vão caçar pequenos caranguejos nos bancos de lodo e chopins, que procuram lagartas nas copas dos mangues-pretos.
Um dos fenômenos naturais mais impressionantes é a migração realizada por algumas aves que viajam milhares de quilômetros todos os anos entre suas áreas de reprodução, ocupadas durante o período favorável de verão, e as áreas de invernada, para onde viajam quando o clima começa a esfriar.
Entre os migrantes mais notórios estão os maçaricos e batuíras que visitam o litoral de São Paulo vindos dos Estados Unidos e Canadá. Treze espécies desse grupo já foram registradas nos manguezais da região, a mais abundante sendo o maçarico-de-perna-amarela Tringa flavipes. Esta espécie se reproduz entre maio e agosto nas florestas de pinheiros e outras coníferas (taiga) do norte do Canadá e Alasca. O ninho é feito em uma depressão no solo, forrada com grama e folhas secas, onde são colocados de 3 a 5 ovos. Os filhotes, logo que nascem, já podem caminhar e são conduzidos para os brejos, onde crescem rapidamente. Assim que os filhotes tornam-se independentes os maçaricos começam a migrar para o sul. Parte desses migrantes utilizam os manguezais de nossa região como área de descanso e alimentação, com picos populacionais bem evidentes entre setembro e dezembro. Eles se alimentam de poliquetos e pequenos caranguejos, procurando à noite locais seguros para dormir.
Outra espécie de migrante bem comum em nossos manguezais é a batuíra-de-bando Charadrius semipalmatus. A área de reprodução dessa espécie forma um arco que se estende do Alasca passando pelo norte do Canadá. Ali, em junho, os casais constroem seus ninhos no chão, em áreas de cascalho ou areia perto da água. A postura de 3 a 4 ovos é incubada ao longo de 24 a 25 dias e, os filhotes, muito camuflados contra o substrato, tornam-se independentes com 22 a 31 dias de idade, quando migram para o sul principalmente ao longo da costa. Em São Paulo são comumente vistos nas praias mais tranqüilas e protegidas, como algumas em Bertioga e no litoral sul, que compartilham com a batuíra-de-coleira Charadrius collaris, uma espécie que se reproduz na região. Nos manguezais da região podem ser vistos em grupos de várias dezenas alimentando-se de poliquetos, pequenos caracóis e insetos. Picos populacionais entre setembro e dezembro.
O trinta-réis-boreal Sterna hirundo nidifica em ilhas no litoral do Hemisfério Norte, migrando para a América do Sul durante nosso verão. Muitos exemplares atingem o Rio Grande do Sul e a Argentina durante essas migrações, e alguns deles fazem paradas para descansar em nossos manguezais. Alimentam-se de peixes.
Outro migrante vindo do Hemisfério Norte que pode ser visto facilmente na nossa região de manguezais é a águia-pescadora Pandion haliaetus, uma ave majestosa que atinge entre 1,5 m (os machos) e 1,7 m (as fêmeas) de envergadura. Esta espécie ocorre em praticamente todos os continentes, exceto a Antártica, mas na América do Sul é apenas um visitante. A região de São Vicente, Praia Grande e manguezais próximos constituem a área mais meridional onde a espécie ocorre com regularidade e é relativamente comum, preferindo a área do rio Cascalho e o Canal de Piaçaguera. A águia-pescadora alimenta-se quase exclusivamente de peixes, capturados pelas garras após o mergulho. No entanto, peixes grandes são evitados pois ela não consegue decolar da água com muita carga extra. As águias podem ser vistas nos manguezais durante todo o ano, aparentemente devido à permanência de aves jovens que ainda não atingiram a maturidade sexual e para as quais a migração seria perda de tempo e energia. Como é esperado de uma espécie que se reproduz no hemisfério norte durante nosso inverno, o número de águias no manguezal atinge seu menor número entre abril e agosto, e o máximo durante nosso verão.
Os falcões-peregrinos Falco peregrinus estão presentes em nossa região entre outubro e abril. Além de utilizarem os manguezais, parecem ser mais comuns na área urbana, onde caçam pombos-domésticos Columba lívia, morcegos e outras aves. A estratégia de caça dos falcões consiste em perseguir as presas, apanhando-as graças à velocidade superior, ou surpreendê-las com mergulhos em alta velocidade, matando a presa distraída que passa voando com o impacto.
Além dos visitantes norte-americanos, nossos manguezais recebem aves migratórias provenientes de outras partes do país ou da região vizinha do Uruguai e Argentina.
O colhereiro Ajaja ajaja, com suas penas rosadas e bico em forma de colher são parentes dos guarás-vermelhos e, como esses, utilizam seus bicos sensíveis para apanhar o alimento. Eles caminham na água rasa fazendo zigue-zague com a ponta do bico entreaberto mergulhada na água. Quando a ave sente um peixe, camarão ou outro pequeno animal entre as mandíbulas, essas se fecham automaticamente. Os colhereiros são aves de verão, surgindo em maior número a partir de novembro e quase desaparecendo durante o inverno, quando apenas um punhado de aves imaturas permanece. Não se sabe de onde vem os colhereiros do litoral paulista nem que rota seguem. É possível que sejam gaúchos, embora seu pico de abundância corresponda ao período de reprodução no Rio Grande do Sul e na Argentina. Por outro lado, é no inverno que os colhereiros da parte norte do Pantanal estão se reproduzindo, e essa é uma fonte alternativa das aves vistas na Baixada Santista.
O talha-mar Rynchops niger tem no bico assimétrico sua principal característica. Este tem a mandíbula mais longa que a maxila e achatada lateralmente como uma faca. O talha-mar tem um vôo leve e muito controlado, que lhe permite “cortar” a água com a mandíbula enquanto se movimenta. Qualquer peixe que esbarre na mandíbula é imediatamente apanhado, numa demonstração de reflexos rápidos e habilidade. Essa modalidade de pesca pelo tato funciona melhor no escuro, quando os peixes na superfície não podem detectar a ave que se aproxima.
Os talha-mares constroem seus ninhos em praias arenosas, tanto em rios como em lagoas costeiras, mas não há registros recentes de reprodução da espécie em São Paulo. Na região dos baixos rios Paraguai, Paraná e Uruguai os talha-mares se reproduzem entre outubro e janeiro, quando aqueles rios baixam, formando praias onde talha-mares, trinta-réis-grandes Phaetusa simplex e trinta-réis-anões Sterna superciliaris fazem ninhos. Assim, é mais provável que as aves observadas nos manguezais nossos venham dessa região.
Outro migrante que habitualmente surge em grande número nos manguezais, a ponto de ser uma das aves mais abundantes, é a marreca-toicinho Anas bahamensis. No Brasil essa é uma espécie encontrada principalmente ao longo da costa. Em São Paulo a única localidade onde números consideráveis dessa espécie podem ser vistos são os manguezais de Santos / Cubatão, que parecem constituir a principal área para esta espécie no sul-sudeste do Brasil. Consequentemente algumas visitam os manguezais de São Vicente / Praia Grande.
Essas marrecas alimentam-se de organismos (algas, crustáceos e poliquetos) filtrados da superfície do lodo. Há registros esparsos das marrecas se reproduzindo na região, porém não se sabe de sua procedência exata; provavelmente da Argentina onde ela também ocorre e é abundante.
Uma espécie que não se reproduz no manguezal mas que é parte importante da sua comunidade de aves é o biguá Phalacrocorax brasilianus. Este comedor de peixe tem cerca de 60 cm de comprimento e uma envergadura de 1 m, pesando ao redor de 1,4 kg. Adultos em plumagem reprodutiva são negros ou cor de fuligem, com uma fina faixa branca atrás dos olhos e uma mancha branca na base das mandíbulas. Os jovens são amarronzados.
Os biguás podem ser vistos no manguezal ao longo de todo ano, mas são mais escassos entre março e junho, o que corresponde ao período pós-reprodutivo das colônias que existem Serra do Mar acima, como as ilhas da represa Billings e o antigo ninhal do Jardim Botânico de São Paulo.
Os biguás se distinguem das outras aves pescadoras por praticarem caça submarina, mergulhando atrás de suas presas, principalmente paratis e bagres. Não se sabe ao certo seus deslocamentos e migrações dessas aves no litoral de São Paulo.
Além de rapinantes turistas como falcões-peregrinos e águias-pescadoras, o manguezal ainda é o lar de outros membros da família que ali passam todo o ano. Entre estes se destaca o gavião-asa-de-telha Parabuteo unicinctus. É um gavião de porte médio, sendo as fêmeas maiores e mais robustas, pesando entre 850 g e pouco mais de um quilo. Os machos pesam entre 700 e 800 g. As marcas distintivas da espécie são o “ombro” cor de tijolo (ou telha) e a larga faixa branca na cauda.
Esses gaviões, como a maioria do grupo, são oportunistas mas com uma preferência por mamíferos (ratos e preás) e aves grandes. Uma particularidade desse gavião é que existe um certo grau de colaboração na caça, e vários indivíduos de um grupo familiar podem perseguir a mesma presa, aumentando a probabilidade de captura. Essa colaboração também ocorre durante a temporada reprodutiva, quando os filhotes do ano anterior podem permanecer no território dos pais e ajudar a recolher material para o ninho e alimentar os irmãos mais novos. O ninho é construído no alto de uma árvore, às vezes no manguezal, às vezes em área de transição com a terra firme. Geralmente os ninhos contém dois ovos. Os filhotes levam cerca de 40 dias para deixar o ninho, mas permanecem nas proximidades, podendo colaborar com as próximas nidificações até atingirem 2 a 3 anos de idade. O asa-de-telha é um dos principais predadores de filhotes de guarás e socós-caranguejeiros nos ninhais.
Os carcarás Caracara plancus estão entre os rapinantes mais adaptáveis; ocorrem do sul dos Estados Unidos à Patagônia, freqüentando de praias a montanhas nevadas, e de florestas a estepes geladas. Eles têm entre 0,5 e 0,6 m de comprimento, pesando entre 1 e 1,6 kg. As fêmeas são maiores e mais pesadas. Os imaturos são facilmente reconhecidos pela cor pálida da face e plumagem amarronzada, e não esbranquiçada, do pescoço e peito.
Além de serpentes os carcarás comem praticamente qualquer animal, vivo ou morto, que tenham a oportunidade de capturar. Assim, freqüentam depósitos de lixo na Baixada Santista em busca de petiscos e ratos, praias em busca de peixes mortos e de aves marinhas “encalhadas”, e os manguezais onde comem caranguejos, peixes e tentam capturar aves. Grupos familiares consistindo de um casal adulto e um ou dois juvenis começam a se tornar mais comuns no manguezal a partir de fevereiro, com picos em março e junho. O número diminui bastante entre setembro e janeiro.
Além dessas espécies maiores é comum vermos gaviões-carijó Rupornis magnirostris e carrapateiros Mivalgo chimachima. Os carrapateiros ou pinhés são comumente vistos em grupos familiares e costumam aproveitar os restos deixados pelas águias-pescadoras.
Sempre encontrada em casais ou grupos familiares, a saracura-três-potes Aramides cajanea é uma das vozes mais típicas do manguezal, onde podemos escutar os casais duetando quando proclamam a posse do seu território. O nome dessas aves é uma imitação de parte do canto (“três-potes, três-potes...”).
Todas as saracuras são oportunistas, comendo pequenos animais, incluindo caranguejos, pilhando ninhos e também aproveitando frutos e sementes que encontrem. As saracuras-três-potes constroem ninhos bem feitos e firmes, geralmente com 3 a 6 ovos e em ramos inclinados sobre a água na margem dos canais que cruzam o manguezal. Os filhotes, totalmente cobertos com penugem negra, podem abandonar o ninho para seguir a mãe logo depois que nascem, permanecendo com os pais vários meses, talvez até a próxima temporada reprodutiva.
As garças e socós pernaltas estão entre as aves que mais chamam a atenção pela sua abundância, porte e cor. São, em sua maioria, aves coloniais, ou seja, nidificam sempre próximas umas das outras, muitas vezes com outras espécies, como guarás, colhereiros e biguás. Estas agregações de aves são muito importantes, já que são as únicas colônias reprodutivas de garças-azuis, maguaris e socós-caranguejeiros conhecidas do litoral de São Paulo.
A garça-azul Egretta caerulea, encontrada em áreas úmidas do sul dos Estados Unidos até o norte da Argentina é a espécie mais abundante nos manguezais, onde pode ser vista caçando caranguejos, camarões, poliquetos e peixes nos bancos de lodo, mangues-anões e florestas de mangue. A garça-azul mede entre 56 e 74 cm de comprimento, pesa entre 300 e 400 g e tem uma envergadura de 100 a 105 cm. Os adultos são de uma cor azul-ardósia e têm o bico bicolor, acinzentado com a ponta preta. O azulado fica mais vivo durante a temporada reprodutiva, quando o pescoço fica de cor vinho, a pele nua da face fica azul brilhante e as pernas, negras. Os jovens são brancos com as pernas esverdeadas, pontas das asas acinzentadas e bico com a ponta preta, o que ajuda a distingui-los das garças brancas pequenas.
O ninho é construído a uma altura entre 1,2 e 4 m, tarefa que, assim como a incubação (geralmente de 3 ovos), é compartilhada pelos pais. Os filhotes nascem após cerca de 20 a 24 dias de incubação. Ao atingirem 30 dias perambulam pelas árvores, mas ainda não têm resistência para longos vôos.
A garça-branca-pequena Egretta thula é uma parente próxima. Caracterizada pela plumagem branca, bico e pernas negras e pés amarelos, esta espécie apresenta plumas muito delicadas durante a estação reprodutiva, usadas nas exibições entre os sexos.
As garças-brancas-pequenas se alimentam quase exclusivamente de peixes pequenos como os guarus. Essas pequenas garças (55-66 cm de comprimento e 350 a 400 g de peso) fazem seus ninhos em meio a colônias mistas, ocupando os extratos mais baixos da vegetação, juntamente com a garça-azul. As posturas geralmente contêm 3 ovos azuis similares ao da garça-azul. Os filhotes podem caminhar pelas árvores próximas ao ninho com três semanas de idade, levando cerca de cinco ou seis semanas para poder voar com maior segurança.
Parecendo uma versão gigante da espécie anterior, a garça-branca-grande Ardea alba é a segunda maior garça do manguezal, com 0,8 a 1,04 m de comprimento e até 1,5 kg de peso. O único local onde esta espécie se reproduz no manguezal é na colônia existente no rio Saboó, na área insular de Santos. Ela começa a construir os ninhos em agosto-setembro. Ao contrário dos ninhos das outras garças, estes situam-se no alto das árvores mais altas, expostos e relativamente próximos entre si. Os ninhos contém de 2 a 3 ovos, que levam cerca de 25 dias para eclodir, e raramente ou nunca produzem 3 filhotes. Esses são de crescimento lento, levando de 6 a 9 semanas para deixar a colônia. Se alimentam de peixes, siris e caranguejos, podendo estes estarem mortos e em águas poluídas.
Maior que a garça-branca-grande é o maguari ou garça-morena Ardea cocoi (0,95 a 1,27 m de comprimento), a maior garça de nossos manguezais. Em geral é vista pescando nas margens dos bancos de lodo, com água pela barriga, de forma que explora profundidades maiores que outras garças. Suas presas favoritas são tainhas e paratis.
Os maguaris começam a se exibir a partir do fim de junho ou início de julho. Os ninhos são construídos isoladamente e no topo das árvores, sempre com 2 filhotes por ninho. Estes levam dois meses para voar e deixam a colônia com cerca de 80 dias.
Podendo ser considerado um quase especialista em manguezais aqui no Brasil, o socó-caranguejeiro Nyctanassa violacea tem uma distribuição geográfica similar à da garça-azul, ocorrendo dos Estados Unidos ao Rio Grande do Sul. Na América do Sul é uma espécie principalmente dos manguezais.
O socó é uma das aves mais belas do manguezal, com sua plumagem cinza-azulada contrastando com a coroa e a crista amarelada e os olhos vermelhos. Durante a temporada reprodutiva as pernas também ficam vermelhas e as aves exibem as finas plumas de sua crista umas para as outras, durante as exibições dos machos que cortejam as fêmeas. Os filhotes são malhados de castanho-alaranjado e marrom, com olhos alaranjados e penas de vôo cinzentas.
Um socó-caranguejeiro é uma ave corpulenta que mede de 55 a 70 cm de comprimento e pesa de 650 a 800 g. O bico é bastante robusto em comparação com outras garças e socós, o que é uma adaptação para lidar com um tipo especial de presa.
Como o nome sugere, o socó-caranguejeiro é um especialista em caranguejos, sendo o seu preferido o uçá Ucides cordatus. Como muitos caranguejos são noturnos, caçam geralmente no crepúsculo ou madrugada, o que explica os grandes olhos.
Os primeiros ninhos do socó-caranguejeiro já estão ativos em setembro, mas há um pico entre novembro e dezembro, provavelmente por corresponder ao período em que os uçás estão mais ativos. Os ninhos são bastante sólidos e bem construídos, sob a cobertura de galhos e folhas de forma a minimizar a exposição, em alturas bastante variáveis. Normalmente nascem três filhotes, e se não houver nenhum problema com predadores ou acidentes, os três filhotes atingem a idade de voar, mesmo os mais novos.
Superficialmente parecidos com os socós-caranguejeiros (com que compartilham os olhos vermelhos e uma crista de plumas), os socós-dorminhocos Nycticorax nycticorax ocorrem em uma grande diversidade de áreas úmidas nas Américas, África, Europa e sul da Ásia, incluindo o Japão.
Os socós-dorminhocos combinam branco, preto e cinza em sua plumagem, além de grandes olhos vermelhos que traem seus hábitos noturnos, e pernas amarelas. Os filhotes são malhados de marrom, castanho e bege, podendo ser confundidos com os do socó-caranguejeiro.
Estes socós são raramente vistos, embora não sejam raros, por dormirem ocultos na copa das árvores durante o dia. À noite saem para pescar, podendo ser vistos às margens dos rios do manguezal, lagoas próximas, ou mesmo nos canais de Santos e São Vicente e na praia, onde apanham pequenos peixes na arrebentação. Bastante oportunista, o socó-dorminhoco come qualquer animal que possa engolir, embora os peixes sejam sua dieta preferida.
Esta espécie também faz ninhos nas colônias mistas, porém seus ninhos são mais sólidos que os das garças. A postura de ovos azuis são normalmente de três, no entanto é raro que o filhote mais novo sobreviva. Há uma competição feroz entre os filhotes, e os mais velhos e fortes levam vantagem. Os pequenos socós movimentam-se pela árvore-ninho e vizinhanças com quatro semanas de idade, podendo abandonar o ninho. A capacidade de vôo é adquirida na sexta semana de vida, e na sétima acompanham os pais nas áreas de alimentação. Reproduzem-se pela primeira vez com 1 ou 2 anos de idade.
Talvez a ave mais interessante entre todas que habite os manguezais seja o guará-vermelho Eudocimus ruber. Essa ave de penas vermelhas e bico e pernas longos é encontrada nos manguezais e pântanos do norte da América do Sul (parte da Colômbia, Venezuela, Trinidad, Suriname, Guiana e Guiana Francesa) e Brasil.
Os guarás machos são maiores, pesando cerca de 750-800 g, enquanto as fêmeas têm o peso variando entre 500 e 640 g. O comprimento de um adulto (da ponta do bico à ponta da cauda) é de 56 a 61 cm. Os machos são reconhecidos à distância pelo maior tamanho e também pelos bicos mais longos e menos curvos.
O guará é um predador e o seu instrumento de trabalho é o bico. Este é longo e curvo, com a extremidade algo macia e sensível, utilizada para sentir o que há dentro de tocas ou águas turvas. Apenas raramente presas ativas sobre o substrato ou presas em poças são capturadas diretamente. Dessa forma o guará é principalmente um predador tátil. Suas presas preferidas são caranguejos. Estes têm uma ligação importante com a cor dos guarás. O vermelho de suas penas se deve a um pigmento chamado cataxantina, que é um derivado do caroteno. O caroteno é o responsável pela cor da cenoura e da casca dos caranguejos e camarões, evidenciada quando são cozidos.
A plumagem dos guarás atinge seu máximo de intensidade de cor durante o período reprodutivo. Nessa época as penas são de um vermelho muito intenso, como se tivessem luz própria. As pernas e a pele nua da face também ficam muito vermelhas, e o bico de ambos os sexos torna-se negro. Essas cores esvaem-se quando as aves estão cuidando dos filhotes, até o ponto em que o bico, as pernas e a face tornam-se rosados, e o vermelho das penas diminui de intensidade.
O ninho é uma bacia tosca feita de ramos e forrada com folhas, no caso de Santos-Cubatão, onde há a colônia reprodutiva. Eles preferem construir seus ninhos em galhos mais altos que as garças. A postura dura cerca de uma semana, enquanto que a incubação dos ovos (cerca de 3) cerca de 21 a 24 dias. Os filhotes tornam-se independentes dos ninhos e capazes de mover-se pelos ramos com cerca de 20 dias de idade. A capacidade de vôo está desenvolvida aos 40 dias de vida, mas permanecem pelo menos mais um mês junto à colônia antes de se dispersarem
Texto retirado do livro:
OLMOS, F. SILVA E SILVA, R. Guará – Ambiente, Flora e Fauna dos Manguezais de Santos-Cubatão.São Paulo: Empresa das Artes, 2003.
Adorei seu Blog Professor! Parbáns!
ResponderExcluirCacilda R.